sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Na nossa rua...

... Eu era o maior aventureiro do mundo...
Nunca gostei de brincar em casa. Sempre preferi descobrir os segredos da minha rua.
Todos os fins-de-semana o meu programa era o seguinte: acordar às 06:30 / 07:00; descobrir uma caixa de Chocapic que aguardava ansiosamente as estórias que me esperavam nesses dias; encher uma taça inteira com esperança e expectativa; degustar a aventura que num trago de leite imaginava; acordar o meu maior amigo da altura, que vivia no mesmo prédio. Castelo, digo...
Acordado que estava o meu fiel escudeiro, ou o meu honroso cavaleiro, a nossa imaginação era o limite.
A nossa rua não era grande o suficiente para conter os sonhos de duas crianças imaginativas e criativas. A casa abandonada que existia na praceta onde morávamos era apenas o ponto de partida para cada fim-de-semana que ambos passámos. Ali fomos Reis, ladrões, piratas, cavaleiros... Ali espetei um prego de 30 centímetros no pé por estar a fingir que a nossa caravela se estaria a afundar, fruto das balas de canhões de que fomos vítimas no último ataque das forças do mal, que existiam unicamente nos nossos fins-de-semana. Naquela casa abandonada salvámos Princesas, dragões, e outros amigos que apenas nós conhecíamos e que apenas a nós importavam.
Nunca gostei de brincar em casa. Sempre preferi descobrir os caminhos recônditos da minha rua.
Sempre aguardei com expectactiva que o meu vizinho Rui me viesse bater à porta com informações sobre a nossa aventura para esse fim-de-semana.
Por vezes não haviam novas aventuras, o que era já de esperar, uma vez que no fim-de-semana anterior não havíamos conseguido salvar a Princesa que supostamente deveríamos ter resgatado das garras de um qualquer feiticeiro malévolo. Por vezes, tal salvamento não se havia concretizado porque outros grandes aventureiros da nossa rua se juntavam para uma rápida partida de futebol de 4 a 5 horas. Outras vezes, a nossa Princesa imaginária ficou apenas à espera que, dentro de uma casa abandonada com as paredes caídas, eu e o Rui conseguíssemos escapar com vida (ou pelo menos sem pregos ferrugentos no pé) das inúmeras armadilhas que surgiam nas divisões aparentemente inexistentes da nossa casa abandonada.
Certo dia, a nossa casa abandonada foi destruída e deu lugar a um vazio imenso nas nossas imaginações. Felizmente, o Rui sempre teve jeito para construir lembranças e memórias como aquelas que hoje relato e partilho. Da construção, restou um pequeno triângulo de terra batida que durante anos, fez as nossas delícias e nos criou outras memórias. Nesse triângulo fomos corredores mundialmente famosos. Conduzimos por curvas que estão apenas ao alcance do mais louco corredor de naves espaciais. Ultrapassámos obstáculos que não podem sequer ser imaginados pelo comum dos mortais. Nesse pequeno triângulo, fomos mais verdadeiros do que o que somos actualmente.
Era eu pequeno, e uma casa abandonada todos os dias me acordava para os meus sonhos...
Rui: a nossa Rua, o nosso Reino... Obrigado.