sábado, 7 de novembro de 2009

Os valor€s que nos movem...


Se porventura visitarem o meu perfil (não existindo qualquer fundamento válido para o fazerem) verificarão que sou advogado estagiário. Sim, é verdade. E tenho orgulho em sê-lo (apesar de preferir que o epíteto "estagiário" desaparecesse).
No escritório onde actualmente trabalho, os nossos constituintes são maioritariamente Bancos e Instituições Financeiras.
Assim que lá entrei, há sensivelmente dois anos, e após o período de formação, as minhas primeiras tarefas consistiram em intentar providências cautelares, as quais encontravam o seu fundamento no incumprimento de contratos de crédito celebrados para aquisição de veículos.
Bom, até aqui tudo bem. De facto, poucas pessoas existirão que tenham possibilidade de adquirir um automóvel sem recurso a crédito.
Mas infelizmente, acidentes acontecem: as pessoas perdem os seus empregos, há sempre alguém que adoece e o dinheiro é necessário para a cura... Enfim... Todos nós temos os nossos problemas.
Feita esta breve introdução ao assunto que hoje aqui me traz, cumpre realizar:
As providências cautelares que intentei visavam a recuperação de veículos, os quais, na sua grande maioria eram de grande cilindrada (e por grande cilindrada quero significar Porche Cayenne e afins).
Coloco agora uma questão: se as pessoas não têm dinheiro para pagar estes automóveis, porque é que os compram?
E agora, respondo: A crise de valores que hoje vivemos supera em larga escala a crise económica.
Ou, dito de outra forma, os valores que são incutidos e observados pela maioria das pessoas são fundamentalmente económicos, i. e., externos, vazios de sentido, em detrimento de valores daqueles que podem criar pessoas melhores.
De facto, é crescente o número de pessoas que cultiva a aparência, negligenciando o carácter, o civismo, o respeito pelo próximo, a justiça, enfim... valores que nos poderiam transformar a todos em pessoas melhores.
Aliás, cada vez mais, o mais importante na nossa sociedade é: o carro que conduzimos; o telemóvel que usamos; e a marca do fato que vestimos. Mas no entanto, a grande maioria das pessoas que cultivam estes "princípios", são incapazes de dizer um simples bom dia a um empregado de uma loja. Se quiserem analisar convenientemente esta questão, bastará darem um saltinho ao El Corte Inglês. Frequentes são as vezes que, enquanto estão a falar com um empregado, uma senhora coberta de ouro, interpela o mesmíssimo empregado, interrompendo-vos, e sem sequer lhe dizer bom dia ou até um obrigado. Eu percebo... Depois de duas horas a falar aos berros no meio do corte inglês naquele telefone de Eur. 1 500,00, que estará pago em 2012, torna-se complicado articular algumas palavras. Lamentavelmente, são sempre aquelas palavras que demonstram boa educação e respeito... Mas isso não interessa. Desde que se tenha um BMW adquirido a leasing, um telemóvel que demorará 7 anos a pagar e um vestido da Versace apertadíssimo, é uma pessoa de bem.
Lembrei-me agora de outra coisa que é importantíssima para se aferir do status de uma pessoa: cartão do corte inglês. Não me entendam mal. Não condeno quem o tem. Refiro-me apenas àquelas pessoas que o utilizam abusivamente para compras supérfluas, simplesmente porque é sepê bem comprar mais caro... Lamento, mas complica-me o sistema. E de tal forma assim é que, há dias, fui comprar um aquário para a minha tartaruga, e uma senhora dirigiu-se a mim e à minha namorada e perguntou-nos: "Os senhores já têm cartão do El Corte Inglês?", ao que nós respondemos: "Não.". Bom, não vos passa pela cabeça a cara que a senhora fez e o olhar que nos lançou. Mas foi ainda pior quando, após nos perguntar se estaríamos interessados em subscrever o tal cartão, lhe respondemos que não. Nessa altura apercebemo-nos que estávamos completamente fora "daquele círculo". Nunca seremos "bem"...
Eu concordo que utilizem cartões de crédito. Fazem falta, é um facto. Causa-me alguma confusão é que o façam de forma insustentada e insustentável.
Mas enfim, são estes os valores que actualmente acompanham a nossa sociedade.
Cá eu, tentarei sempre ser respeitador e educado. Se pelo caminho tiver oportunidade de adquirir um BMW (em particular o 123, adoro), também agradeço.
Mas ainda vos posso dizer mais. Durante um ano sensivelmente, fui operador de caixa numa loja de bricolage (e sim, com o mesmo orgulho com que sou advogado estagiário). Não vos passa pela cabeça a quantidade de pessoas mal formadas que por ali passavam, mas que se arrogavam no direito de o serem, simplesmente por não estarem do lado de dentro da caixa. Era de tal forma, que sempre que um amigo meu se dirigia à minha caixa e me perguntava pelo meu curso de direito, a pessoa que eu estava a atender, mudava imediatamente de atitude... Mas, o que vale, e apesar dos princípios e valores destas pessoas serem o que são, iam para casa no seu BMW...
Acho bem que toda a gente tenha um BMW, um Mercedes, um Audi. Mas considero mais importante dar-se prioridade à humanidade, ao civismo, ao respeito...
Meus amigos, deixo-vos com os votos de que todos nós sejamos justos com o próximo, respeitadores dos nossos vizinhos, e honestos para connosco.

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